O que é o MalPassado?

Escrever pra mim não é tarefa das mais fáceis. Pelo menos pra quem não é escritor, não é. Mas existe um determinado momento em que uma voz nasce dentro da gente e que, mesmo após muito relutar, temos que soltá-la. Não,...não me refiro a ser cantor, ventríloco, artista performático, dragqueen ou nada parecido. Minha voz interior nasceu mais precisamente dentro da minha barriga. Dentro do meu estômago.

Essa voz falava comigo. Me dizia coisas sobre gostos, temperos, harmonizações e preparos. Me seduzia com aromas imaginários e com vontades secretas de gulas sem-fim. Me falava de sabores nunca antes provados, em receitas secretas de tias, falava de restaurantes 3 estrelas Michelin e de uma tal especialidade de não-sei-oque, não-sei-bem-aonde – tesouros bem guardados esperando pelo desbravador de colher em punho, que quisesse encontrá-los.

Comigo foi assim desde pequeno. Barriga no fogão, assistindo duas grandes experts trabalharem: minha avó e minha mãe. Nada de técnicas francesas, demi glacê, nem reduções. Só o simples dom da combinação certa de ingredientes. O bom-senso da pitada – e quanta sabedoria há numa pitada. O conhecimento empírico passado de geração para geração, do amor, do carinho e da responsabilidade para com o ato de preparo dos alimentos. Alimentar pois, é muito mais que esquentar o estômago de alguém. "Matar quem está te matando". Não. É muito mais que isso.

Alimentar é antes de mais nada um ato de doação total. De entrega e devoção. Em primeiro lugar é oferecer ao outro, energia imprescindível às células, ao sangue, ao corpo, para que funcionem e trabalhem direito. É manter a máquina azeitada e rodando bem.
Em segundo lugar, alimentar é acalentar a alma. É se manter o ânimo. Oferecer aquela sensação de proteção e segurança que só se sente depois de uma boa refeição. E que sem dúvida remonta ainda de nosso reflexo ancestral evolutivo de perpetuação da espécie, onde alimentados, sabemos que teremos força para lutar por nossas vidas e para proteger nossas crias.

O alimento movimenta o mundo. Molda nossas culturas, costumes e nossa vida.
Agora, fazer isso com um bom tempero e criatividade, bom, isso já é outra coisa.
Isso é talento.

Josimar Melo, crítico e apresentador bon vivant gastronômico, é um dos caras que mais respeito e admiro no mundo das panelas tupiniquins. Ele diz: "Gastronomia é uma aquisição. Uma vez assimilada, a pessoa não consegue se livrar dela, passa a ficar mais exigente e a buscar o prazer que a boa comida proporciona". E é assim que eu me sinto na maioria das vezes. Não vou dizer chato – a palavra me pesa um pouco e falta de amor próprio não me cai bem – mas sou realmente exigente.
Já vou explicando que sou democrático. Gosto do bife acebolado e do confit de canard. Gosto da galinhada com quiabo e da codorna com risoto de pera. Acho que na verdade, tento levar um pouco da filosofia budista pra cozinha, "o caminho do meio". E vejo nessa escolha, uma opção clara: honestidade.

Sim, porque a pior decepção culinária acontece sempre que se espera algo que não é entregue. A pretensão de ser algo que não se é. O básico do básico é esquecido: a comida tem que ser antes de mais nada, boa. Simples assim.
Aquele pseudo restaurante francês que cobra os olhos da cara por uma culinária vagabunda e com ingredientes de terceira. O famoso chef que todos aplaudem pelo que sua assessoria de imprensa construiu e não seus pratos. Isso é o que acho realmente intragável. Isso é o que me causa indigestão. E olha que tem muito disso por aí.
Acho que muitos se esquecem que a reunião gastronômica, seja em casa, seja num restaurante, é uma experiência sensorial completa, não só dos sabores. Sabor é o mínimo, depois vem todo o resto. É visual, olfativa, sonora (...tem algo pior que sentar à mesa com som ambiente ligado em alguma rádio FM?!)

Há quem diga que a fome é o melhor tempero. Eu acrescentaria a verdade. A honestidade na proposta de um prato, de um vinho, de um ambiente. Aquele velho bom senso da pitada. Seja no preparo de um prato simples e barato, seja num clássico da cozinha internacional com ingredientes raros. Afinal de contas, tudo o que se quer ao se sentar numa mesa, é passar bons momentos e ter uma experiência memorável e construtiva. Que nos faça entender um pouco mais sobre nós mesmos, conversando, rindo e interagindo socialmente. E que melhor guia, se não a gastronomia pra nos levar por esses caminhos?

É nesse contexto que resolvi editar o MalPassado.
Primeiro com muita humildade, dizendo que esse recém-inaugurado-blogueiro-de-meia-tigela que vos escreve, não entende nada de haute cousine, nem tem grandes pretensões gastronômicas. Mas é um cara que ama cozinhar, é apaixonado por boa comida, bons vinhos e lugares honestos onde se possa comer, beber e sentir-se bem. Quem sabe esse blog possa ser um ponto de encontro de amigos e outros interessados que como eu, bebem dessa fonte e comungam dos mesmos interesses. Uma panela onde eu possa jogar minhas idéias, receitas, dicas e roubadas, pros ociosos que não têm o que fazer a não ser ficar jogando Mafia Wars ou mudando seus perfis no FaceBook.

Então é isso: um português medíocre com erros grotescos, combinações esdrúxulas e perigosas, reduções de balsâmico metidas a besta pra lá e pra cá, muito pirão queimado pegando no fundo da panela, mas uma boa taça de Veuve Clicquot de vez em quando pra fazer valer à pena. Participações são muito bem-vindas. Críticas nem tanto. Não me responsabilizo por opiniões postadas após a segunda garrafa de vinho e em caso de processos jurídicos já vou informando que não tenho advogado. A qualquer momento posso rever minhas opiniões. Não me responsabilizo por problemas de saúde causados pelas receitas fornecidas nesse blog. Vejo a indigestão como algo extremamente natural. Já dizia Victor Hugo que "a indigestão é uma criação de Deus para impor uma certa moralidade ao estômago".
Nesse ponto temos que convir, tem hora que é melhor ficarmos só na canjinha. Afinal de contas, cautela e ganja de galinha não faz mal a ninguém! Pelo menos na primeira meia-hora.